Segundo estudo, as chuvas extremas diminuíram a produção na China nos últimos 20 anos
Conforme a Terra esquenta e coloca em risco as fontes de alimento e o sustento de bilhões de pessoas, o arroz enfrenta problemas. Às vezes, falta chuva no momento em que as plantas novas precisam de água. Ou chove demais quando estão precisando se projetar acima da água. Com o mar avançando terra adentro, a água salobra arruína as plantações. Com as noites mais quentes, a produtividade dos arrozais diminui.
Esses perigos todos estão obrigando o mundo a procurar novas maneiras de cultivar um de seus grãos mais importantes. Os produtores de arroz estão modificando seus calendários de plantio. Produtores trabalham para a criação de sementes capazes de resistir a temperaturas mais elevadas ou solos salgados. Variedades crioulas resistentes estão sendo reintroduzidas.
E quando a água fica mais escassa, como vem ocorrendo em tantas partes do mundo, os produtores estão deixando seus campos secar intencionalmente, uma estratégia que também reduz a emissão de metano, potente gás de efeito estufa emitido por arrozais.
A crise climática causa problemas especiais para pequenos produtores com pouca terra, como é o caso de milhões de agricultores na Ásia. “Eles terão que se adaptar”, disse Phan Tan Dao, diretor de irrigação da província costeira de Soc Trang, no Vietnã, um dos maiores produtores mundiais de arroz. “De outro modo não vão conseguir sobreviver.”
Um estudo constatou que as chuvas extremas na China reduziram a produção de arroz nos últimos 20 anos. A Índia limitou suas exportações de arroz, por receio de não ter o suficiente para alimentar a própria população. O calor e as inundações destruíram colheitas no Paquistão, e na Califórnia a seca prolongada está levando muitos produtores a deixar seus campos ociosos.
Os desafios de hoje são diferentes dos de 50 anos atrás. Na época, o mundo precisava produzir muito mais arroz para evitar a fome em grande escala. Sementes híbridas de alta produtividade, cultivadas com fertilizantes químicos, ajudaram. Os agricultores do delta do rio Mekong passaram a produzir até três colheitas por ano, alimentando milhões de pessoas em sua região e no mundo.
Hoje, esse próprio sistema de produção intensiva criou novos problemas em todo o mundo. Reduziu os níveis de aquíferos, elevou o uso de fertilizantes, reduziu a diversidade das variedades de arroz cultivadas e poluiu o ar com a fumaça da queima da palha restante nos campos. Para agravar tudo isso, há a mudança climática, que alterou o ritmo de sol e chuva do qual o arroz depende.
Possivelmente, o problema mais preocupante de todos, considerando que o arroz é consumido diariamente por algumas das populações mais pobres do mundo, é que as concentrações elevadas de dióxido de carbono na atmosfera reduzem os nutrientes presentes em cada grão.
O arroz enfrenta outro problema climático: ele é responsável por estimados 8% das emissões globais de metano. É uma parte pequena das emissões do carvão, óleo e gás, que somadas respondem por 35% do total. Mas combustíveis fósseis podem ser substituídos por outras fontes de energia. O arroz, nem tanto. O arroz é o cereal que está à base da alimentação de 3 bilhões de pessoas. É biryani e pho, arroz jollof e jambalaia —uma fonte de tradução e de sustento.
“Estamos vivendo um momento fundamentalmente diferente”, disse Lewis H. Ziska, professor de ciências de saúde ambiental na Universidade Columbia. “É preciso produzir mais com menos. Como fazer isso de maneira que seja sustentável? Como fazer isso em um clima que está mudando?”
UM EQUILÍBRIO ARRISCADO
Em 1975, diante do risco de fome generalizada após uma guerra, o Vietnã resolveu cultivar mais arroz.
O esforço teve sucesso tremendo, a o país se tornou o terceiro maior exportador mundial de arroz, depois da Índia e da Tailândia. A colcha de retalhos verde do delta do Mekong tornou-se sua região mais valorizada de produção de arroz.
Ao mesmo tempo, porém, o rio Mekong foi modificado por mãos humanas. A partir de sua nascente no sudeste da China, o Mekong percorre Mianmar, Laos, Tailândia e Camboja, sendo interrompido por muitas barragens. Hoje, quando ele chega ao Vietnã, resta pouca água doce para expulsar a água marinha que se infiltra para o interior. A elevação do nível do mar traz mais água marinha. Canais de irrigação passam a conter água salobra. O problema só vai se agravar à medida que a temperatura se eleva.
“Hoje já aceitamos que a água salgada em ascensão rápida é normal”, disse Pham, o diretor de irrigação. “Precisamos nos preparar para lidar com isso.” Ele disse que no passado, a água salgada costumava infiltrar-se por cerca de 30 quilômetros para o interior durante a estação das secas, mas hoje ela alcança distâncias de 70 quilômetros.
A mudança climática acarreta outros riscos também. Não há mais a certeza de que a estação das monções comece em maio, como era o caso no passado. Por isso, nos anos secos, os agricultores correm para semear o arroz entre dez e 30 dias mais cedo que o normal, descobriram pesquisadores. Nas áreas costeiras, muitos deles alternam entre a produção de arroz e de camarão, que se dá bem com um pouco de água do mar.
Mas para isso é preciso limitar a ganância, disse Dang Thanh Sang, 60, que cultiva arroz em Soc Trang desde sempre. A criação de camarão é lucrativa, mas encerra grandes riscos. As doenças podem se espalhar facilmente. A terra fica infértil. Ele já viu isso acontecer com outros produtores.
Assim, em seus 2,8 hectares de terra, Dang planta arroz quando há água doce nos canais e cria camarões quando a água do mar os infiltra. O arroz limpa a água. Os camarões nutrem o solo. “Não dá muito dinheiro, como quando você só cria camarão, mas é mais seguro”, ele disse.
Em um artigo recente, pesquisadores concluíram que produtores de arroz em outras regiões terão que modificar suas agendas de cultivo do arroz e outros grãos. Cientistas estão tentando ajudá-los com isso.
O laboratório de Argelia Lorence está cheio de sementes de arroz —310 variedades diferentes.
Muitas delas são variedades antigas, que raramente são cultivadas hoje. Mas possuem superpoderes genéticos que Lorence, bioquímica botânica da Arkansas State University, está tentando identificar, especialmente os que permitem às plantas de arroz sobreviverem às noites quentes, um dos perigos mais agudos da mudança climática.
Ela identificou dois genes desse tipo até agora. Eles poderão ser usados para produzir novas variedades híbridas.
“Estou convencida de que dentro de algumas décadas os agricultores vão precisar de tipos de sementes muito diferentes”, disse Lorence.
MENOS ÁGUA NOS ARROZAIS?
O arroz exerceu papel fundamental na história dos Estados Unidos. Ele enriqueceu os estados costeiros do sul do país, tudo com a mão de obra de africanos escravizados que vieram com gerações de conhecimento do cultivo do arroz.
Hoje, a principal região produtora do país se estende sobre solo argiloso duro perto de onde o rio Mississippi encontra um de seus principais afluentes, o rio Arkansas. Ela não se assemelha em nada com o delta do Mekong. Os campos nesta região são totalmente planos. O trabalho é realizado por máquinas. As fazendas de arroz são imensas, algumas cobrindo mais de 8.000 hectares.
O que esses arrozais têm em comum com os do delta do Mekong são os riscos criados pela mudança climática. As noites estão mais quentes. As chuvas são inconstantes. E há o problema criado pelo próprio sucesso de tanto cultivo intensivo de arroz: o nível do lençol freático está baixando perigosamente.
Benjamin Runkle é professor de engenharia da Universidade de Arkansas em Fayetteville. Ele sugeriu que, em vez de manter os arrozais constantemente alagados, como sempre foi feito, os produtores do Arkansas deixem que eles sequem um pouco. Depois, deixem a água entrar de novo e então repitam o processo. E pediu que eles o deixassem medir o metano sendo emitido de seus campos.
Mark Isbell, produtor de segunda geração, concordou em fazer o experimento.
Na beirada de seu arrozal, Runkle montou um dispositivo branco e alto que uma garça talvez confundisse com uma ave semelhante. O dispositivo mediu os gases produzidos pelas bactérias que se reproduziam nos campos alagados. “É como submeter a terra a um teste do bafômetro”, disse Runkle.
Conduzido ao longo de sete anos, seu experimento concluiu que, ao não deixar os campos alagados continuamente, os produtores podem reduzir as emissões de metano dos arrozais em mais de 60%.
Para produtores que possam comprovar uma redução de suas emissões, a administração Biden está oferecendo recursos federais para o que chama de projetos “de inteligência climática”.
O secretário da Agricultura, Tom Vilsack, foi à fazenda de Isbell no outono passado para divulgar o programa. Isbell acha que os incentivos vão persuadir outros produtores de arroz a adotarem o sistema de alagamento e secagem alternados.
“A gente olha por cima do morro para ver o que vem vindo para o futuro e já aprende agora”, disse seu pai, Chris Isbell.
Tradução de Clara Allain
Fonte: Folha de S. Paulo